As exportações brasileiras de carne suína em 2022 por Osler Desouzart

As exportações brasileiras de carne suína em 2022 por Osler Desouzart

AS EXPORTAÇÕES BRASILEIRAS DE CARNE SUÍNA EM 2022

Osler Desouzart
osler@odconsulting.com.br

A primeira vez que vi um porco vivo foi em 1976, quando trabalhava para uma trading de um grande grupo varejista brasileiro. Tínhamos colocado um setor de exportação de frangos nessa trading e o êxito levou nosso presidente, que era mais agressivo que uma divisão panzer alemã, a desejar expandir para a carne de porco.  O gigante varejista abria portas com facilidades junto a seu fornecedores e isso me permitiu conhecer várias granjas e abatedouros.

Havia na época uma incipiente, mas atraente exportação de carne suína, festa que durou até 1978 quando foi comunicado à OIE um episódio PSA no Brasil. Imediatamente as portas se fecharam o Brasil. Meu presidente na Pão de Açúcar Trading, com quem muito aprendi e a quem muito devo, lamentou durante um nanosegundo (e na época não tínhamos essa medida de tempo) e indagou-me se tinha condições de partir de imediato em visita a clientes externos.

Pasmo perguntei qual o mérito da viagem já que estávamos proibidos e ele sem hesitar disse que era por isso que devia viajar para saber o que os clientes pretendiam fazer, de onde iam comprar e que a visita no pior momento para o exportador brasileiro mostraria que tínhamos vindo àquele mercado para ficar.

Constatei que o problema era mútuo e mantivemos nosso vínculo com o mercado importador com operações para Hong Kong, shipchandlers europeus e abastecimento de acampamentos de obras de empreiteiras brasileiras em alguns países africanos.

Em 1981 a OIE declarou o episódio superado e nessa época começamos a experimentar o sabor do protecionismo, com muitos países reagindo com o tradicional “sim, mas …”. E perdoem-me repetir meu mantra de que “o Brasil é uma potência no agronegócio situada num país que não conta internacionalmente”, o que dá aos protecionistas de plantão a possibilidade de fazê-lo com total tranquilidade sem temor a justas retaliações.

O “sim, mas …” fez com que nossas exportações patinassem em menos de cem mil toneladas e concentrada em muito poucos países por uma década e meia. Observem no Gráfico I que somente com o fim da União Soviética é que rompemos essa barreira, graças às importações de carcaças suínas pela Rússia.

Na época eu ainda estava no front, comandando as exportações de uma grande empresa brasileira. Alertei aos colegas e principais que o mercado russo seria um excelente mercado de oportunidade, mas não um perene pois era da Rússia uma política de estado assegurar a autossuficiência na principal carne consumida pelos russos, a carne de porco.

Mas até nas grandes empresas vigora o verso de Cervantes “no me despiertes si estoy soñando”. Segui ouvindo as loas às importações russas e eu celebrava a abertura de cada novo mercado com o mesmo entusiasmo da primeira venda de frango que fiz ao exterior em 1976.

A Rússia logra restabelecer sua produção suína aos patamares de assegurar o abastecimento de seu povo e torna-se um importador ocasional de produtos específicos. Mas a abertura de novos mercados e a expansão dos tradicionais levaram as exportações brasileiras a se situarem entre quinhentas e setecentas mil toneladas anuais (cf. Gráfico I, 2002 a 2018).

Eis então que surge para a suinocultura brasileira o Planeta China, seguido pelo Vietnam, Filipinas, Japão, Coreia do Sul, Singapura, Geórgia, Angola e Estados Unidos, sem esquecer dos nossos vizinhos Argentina, Chile e Uruguai. E as exportações brasileiras rompem a barreira das 700 mil toneladas a partir de 2019 com os episódios de FSA na Ásia.

A China retoma no primeiro semestre de 2021 os níveis de seu rebanho suíno e sua produção de carne de porco, mas a ampliação dos mercados permite que o Brasil fique no último triênio com exportações acima das mil toneladas anuais. Adende que grandes potências produtoras e consumidoras tendem a manter suas importações, já que cada mercado valoriza algum tipo de corte ou de produto.

Se perguntares ao mercado italiano como queriam cada porco, responderão que de preferência com dez pernis. Os espanhóis e portugueses responderão o mesmo, mas com a ressalva de que todos os porcos devem ter a bolota como parte diferencial de sua alimentação, enquanto no mercado norte-americano pedirão um porco com várias barrigas. E em visita à Itália delicie-se com um belo “prosciutto di Parma”; um “jamon bellota pata negra”, uma das mil delícias da gastronomia espanhola e, antes que meus amigo portugueses me hostilizem, com um “presunto de porco preto” uma das mil e uma maravilhas da culinária lusa.  E nos Estados Unidos entenderás com facilidade porque os americanos comem tanto bacon.

O resultado desses novos mercados junto àqueles que estiveram sempre conosco é que nos últimos três anos o país ficou com suas exportações num patamar de mais de um milhão de toneladas.

Nos Gráficos II e III poderemos constatar que os quinze principais importadores absorvem mais de 90% das exportações brasileiras tanto em volume quanto em valor, com os quatro maiores importadores respondendo por 2/3 do total das exportações em 2022.

 

E o que foi que o Brasil vendeu a esses 126 países em 2022 em termos de carne de porco e seus produtos?  Predominantemente foram cortes suínos e os miúdos com destaque pela demanda do principal destino das exportações brasileiras, a Ásia que hoje responde por >55% da importações mundiais e por 53,4% dos volumes exportados pelo Brasil.

Noventa por cento das exportações concentradas em quinze países é sem dúvida um nível elevado de concentração, mas por outro lado há melhoras. Em 2022 o Brasil exportou para 126 países do mundo, e mesmo entre aqueles com importações mínimas (cf. Tabela I) surgem algumas das maiores potências importadoras como o México e o Reino Unido, sem contar que as exportações brasileiras para o Japão e Estados Unidos estão em seus primórdios com potencial de expansão.

Verifiquem que essas potências importadoras surgem quando verificamos a média importada 2019-2021 (cf. Gráfico IV), e a maioria desses mesmos países constam das projeções de importação de carne suína para os próximos dez anos. A atipicidade provocada pela FSA na Ásia entre 2018 e 2020 faz com que tenhamos que aguardar mais tempo antes que possamos fazer projeções sem os desvios das as atualmente disponíveis, onde a China surge para 2023 com volumes que oscilam de 2,6 a 5,0 milhões de toneladas.

Essas mesmas projeções quantificam as exportações brasileiras de modestos 700 quilotons a generosos 1.400 kt. Não desejem mal a todos que fazem projeções, mas as fórmulas do Dr.Excel consideram binariamente o histórico estatístico. A um cliente que ponderou que nem sempre as projeções são corretas, contestei que sempre acertávamos nas tendências e que embora o ideal para a navegação seja um GPS, tendências são a melhor alternativa do que navegar às cegas.

Estamos então às cegas diante dessa coleção de dados fora da curva? Não, sabemos que Ásia é o centro da demanda e sabemos que tanto produção, importações e consumo vão crescer.

Como a China responde atualmente por 1/3 das importações mundiais de carne suína é útil estudar o histórico recente das importações chinesas

Não dispomos ainda dos dados das importações chinesas de carne de porco em janeiro e fevereiro de 2023, mas o último relatório do FAS/USDA indica que estas deverão crescer um 4% neste ano[1]. Também coincido ao dizer que nem serão no nível recorde de 2020 nem regredirão à situação prévia aos episódios de enfermidades animais.  Os surtos de COVID-19 estão sob controle e a circulação de pessoas em grande centros urbanos voltou à normalidade, o que poderá contribuir ao crescimento da demanda.

Quanto ao Brasil, em condições de normalidade, vejo um 2023 que busca alcançar ou mesmo superar 1,2 milhão de toneladas de exportações. O primeiro bimestre deste ano conheceu um crescimento em relação a 2022 de 14,9% no volume e 24,9% no valor exportado.

É um bom começo, mas qualquer um que milite em agropecuária sabe que a única garantia que temos é quando compramos uma máquina, um carro ou um eletrodoméstico. São tantas as variáveis que afetam nossa atividade, indo do clima a eventos internacionais, a maioria fora de nosso controle, sem contar visões românticas sobre produção de alimentos, adequadas ao século XIX, quando a população mundial não alcançava um bilhão de pessoas.

Adendem que muitas vezes temos que lutar contra a Quinta-coluna[2]. E quem passou ou passa a vida no agronegócio brasileiro sabe que muitas vezes nossos maiores inimigos não são externos. Mas também sabemos a profundidade de versos de uma música popular brasileira de Paulo Vanzolini, médico e doutor em zoologia por Harvard, cientista e poeta.

Um homem de moral
Não fica no chão
Reconhece a queda
Mas não desanima
Levanta, sacode a poeira
E dá a volta por cima!

Nós do agronegócio também, mas fiquem tranquilos, Senhores Protecionistas, pois por aqui temos muita gente que os ajuda e pelo que vejo estão muito ativos.

 

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