De acordo com especialistas, o produto mais importado pelos chineses do Bloco Europeu são os miúdos vermelhos, algo que o Brasil não possui tradição ou muitas habilitações para embarcar rumo ao gigante asiático
Mais uma disputa comercial envolvendo a China está em curso mas, desta vez, com a União Europeia (UE). Desde o dia 17 de junho, a China deu início a uma investigação antidumping sobre as importações de carne suína originadas no bloco europeu. Esta ação do gigante asiático vem como resposta às tarifas impostas pela UE, primeiramente por Bruxelas, sobre veículos elétricos chineses. As tarifas sobre os veículos poderiam chegar a 38%. A investigação por parte da China sobre a carne suína europeia tem duração prevista de até um ano, podendo ser estendida por mais seis meses. Os principais países que exportam a proteína para a China e que podem ser mais afetados com a medida são a Espanha, Holanda, Dinamarca, Alemanha e Bélgica.
Segundo uma fonte do setor suinícola brasileiro que não quis se identificar, o caso vai além da carne suína propriamente dita, da qual, segundo a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), o Brasil é o 4º maior produtor e exportador mundial. O que os chineses mais importam da União Europeia são os chamados “miúdos internos”, ou “miúdos vermelhos”.
Para este tipo de produto, Wagner Hiroshi Yanaguizawa, analista de proteína animal do Rabobank, explica que o Brasil tem 16 plantas frigoríficas habilitadas a exportar, e que no ano passado embarcaram cerca de 120 mil toneladas. Já a fonte que não quis se identificar aponta que o Brasil não tem autorização sanitária para exportar miúdos vermelhos para a China.
De toda forma, esta fonte explica que o Brasil não pode exportar miúdos internos para a China, mas se o gigante asiático entender que faz sentido abrir habilitações no Brasil para isso, “poderemos virar uma grande fonte do produto”.
“Hoje não tem acordo sanitário para os miúdos vermelhos, mas está na pauta de negociações. Os Estados Unidos têm a habilitação, mas existe a questão da competitividade. O Brasil paga 12% de tarifa sobre a nota (ad valorem) pela carne suína que desembarca na China, e os EUA têm uma tarifa de 25%, e o preço da carne suína norte-americana é pouco competitivo em relação ao Brasil”, disse a fonte ligada ao setor.
E COMO FICA O BRASIL?
Neste sentido, a China está com a caneta na mão, e pode (ou não) decidir por habilitar plantas frigoríficas de outros players fora da UE para comprar os miúdos vermelhos de suínos.
Segundo comunicado oficial da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), “o Brasil acompanha com atenção a situação ocorrida entre as autoridades chinesas e os exportadores de carne suína europeus. Como player do setor e parceiro das nações em questão, o Brasil espera que seja construída uma solução equilibrada para ambas as partes”.
Entretanto, Yanaguizawa, destaca que, inicialmente, os impactos para o Brasil podem não ser tão positivos.
Yanaguizawa explica que países importantes que importam do Brasil e que aumentaram substancialmente as compras de carne suína brasileira poderiam, devido à competitividade de preços, olhar para os países europeus. Entre estes países estão Japão, que de janeiro a maio deste ano, em relação ao mesmo período de 2023, aumentou o volume de carne suína importada em 93%, Coreia do Sul incrementou as importações em 232% em cinco meses e as Filipinas, que se configura hoje como o segundo maior mercado para a proteína, elevou as compras externas em 73% de janeiro a maio em volume.
No caso dos miúdos internos, o desafio é maior. Cerca de 50% do que a China importa de miúdos vermelhos vêm da UE, e o Bloco Europeu representa 60% da oferta global deste tipo de produto, segundo o analista da área de proteínas animais do Rabobank. “Não teria outro mercado fora da UE que conseguiria suprir a China nesta questão. A China está em um momento de excesso de oferta, e é um momento em que em tese não teria grande impacto. Para o Brasil, haveria uma limitação do Brasil na exportação de miúdos, e seria uma oportunidade se viesse uma aprovação da China para as plantas exportarem”.
“Na verdade, a gente separa esta suspensão em duas frentes: uma para a carne suína e a outra pela parte de miúdos vermelhos. No caso da carne suína, haveriam outros mercados para absorver a sobreoferta gerada na UE, mas isso levaria algum tempo. O México, por exemplo, que é um grande importador da proteína suinícola, é praticamente dependente dos Estados Unidos. Mas pensando em um cenário de sobreoferta de carne suína e preços em queda, outros mercados importantes podem passar a olhar para a UE”, disse.
UNIÃO EUROPEIA E O DECLÍNIO NAS EXPORTAÇÕES
Segundo explica a fonte que não quis se identificar nesta reportagem, o que está em jogo neste momento é o maior exportador mundial de carne suína, a União Europeia, estar agonizando nos últimos anos. Há cinco, o bloco europeu era responsável por quase 60% do mercado global de carne suína, exportando quase 6 milhões de toneladas por ano. Agora exporta 3 milhões de toneladas para o mundo, sendo que a China é seu grande cliente. No ano passado, ainda segundo o especialista, cerca de 40% a 45% do que a UE exportou de carne suína foi para a nação asiática.
“Por um lado, temos o maior exportador que vem perdendo volume e do outro, o maior importador, a China, que comprou de 2,5 a 3 milhões de toneladas, dos quais mais da metade vem da UE, majoritariamente da Espanha, Dinamarca, Polônia. É um tema grande. São os principais clientes e vendedores do comércio internacional”, disse a fonte
De acordo com Yanaguizawa, em 2020, 55% de toda a carne suína exportada pela União Europeia tinha como destino a China, e em 2023 caiu para 30%. Este ano deve cair ainda mais este ano, segundo ele, afetando, principalmente, Espanha, Holanda, Dinamarca e Espanha.
“Estas medidas seriam algo de último caso. Entendemos que poderia ter alguma tratativa para se tentar chegar a um meio termo em relação à importação de carros elétricos”, pontuou Yanaguizawa.
DISCUSSÕES E NEGOCIAÇÕES SOBRE TARIFAS
De acordo com informações divulgadas na segunda-feira (24) pela agência internacional de notícias Reuters, autoridades de Pequim solicitam que a União Europeia deixe de impor as tarifas preliminares sobre as importações de veículos elétricos chineses até 4 de julho. A proposta veio após ambos os lados concordarem em negociar um possível acordo.
“As tarifas provisórias da União Europeia de até 38,1% sobre VEs importados de fabricação chinesa deverão entrar em vigor em 4 de julho, enquanto o bloco investiga o que considera serem subsídios excessivos e injustos”, segundo reportagem da Reuters.
Ainda de acordo com informações da agência de notícias, a China apelou à UE para cancelar a taxação, expressando vontade de negociar. Pequim não quer ser envolvida em mais uma guerra tarifária, ainda atormentada pelas tarifas dos Estados Unidos sobre os seus produtos impostas pela administração Trump.
Embora tenha apelado a negociações, Pequim também indicou que tem medidas retaliatórias prontas se a UE não recuar. A China abriu uma investigação antidumping sobre as importações de carne suína da UE. De acordo com a reportagem da Reuters, o Global Times disse que a China também estava iniciando uma investigação anti-subsídios sobre produtos lácteos europeus e tarifas sobre carros a gasolina de grandes motores.
Por: Letícia Guimarães
Fonte: Notícias Agrícolas