Dois meses depois da tragédia, produtores do RS estão sem perspectiva de retomada

Dois meses depois da tragédia, produtores do RS estão sem perspectiva de retomada

Próximas safras estão em xeque e agricultores terão de esperar os terrenos secarem

No dia 29 de abril, os irmãos Waldir Ademar (62 anos) e Rubem Alfredo Ruppenthal (69 anos) de Forquetinha, a 130 quilômetros de Porto Alegre, viveram momentos de pânico. Após fortes chuvas, o Rio Forquetinha, que dá nome ao município, começou a passar do limite de suas margens e avançar sobre a propriedade de 11,5 hectares onde criam gado de leite e plantam milho de silagem. “Sempre vivemos aqui, e vimos outras enchentes no passado, mas nada foi tão forte como essa”, afirma Waldir.

A água levou toda a silagem guardada para o gado naquele momento. Durante 10 dias, os irmãos Ruppenthal ficaram sem energia elétrica, isolados pela água, que também destruiu boa parte da pavimentação asfáltica. Nesse período, tiveram que jogar fora mais de 1,3 mil litros de leite, devido à impossibilidade de refrigerar e transportar o produto.

Dois meses depois das chuvas históricas que atingiram todo o Rio Grande do Sul, a retomada para a próxima safra (2024/25) ainda parece uma realidade difícil de prever. Produtores, sem recursos, tentam organizar as áreas que suportarão o plantio de alimentos.

Quase em frente à lavoura dos irmãos, a enchente escavou uma cratera de cerca de 20mx10m onde antes era uma área de cultivo, deixando apenas pedras. A parte que a água não levou ficou coberta por uma espessa camada de lama.

Em Forquetinha, segundo a prefeitura municipal, os prejuízos causados pelas enchentes passaram de R$ 17 milhões, incluindo a queda de uma ponte e a destruição de estruturas, pavimentação e outros danos a propriedades.

Em todo o Rio Grande do Sul, de acordo com o último boletim da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), as perdas chegam a R$ 12,5 bilhões em 478 municípios. Desse total, R$ 4,673 bilhões são na agricultura e pecuária.

De acordo com a equipe técnica do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) que está monitorando algumas regiões do Estado, até dia 28 de junho, algumas zonas rurais estão com problemas de acesso e de solos encharcados.

Para Cristiano Oliveira, professor de economia associado da UFRio Grande, é difícil estabelecer um prazo para recuperação, porque além das condições climáticas dos próximos meses, há ainda resultados de ações já iniciadas nos municípios gaúchos.

“Conseguimos antecipar que produtores menores vão ter muita dificuldade, porque muitas vezes não têm poupança para se reerguer. As grandes empresas vão dar a volta por cima, alterando a situação de endividamento, solicitação de crédito e terão de dar uma encolhida, um passo atrás para tentar alcançar o patamar onde parou antes das chuvas”, detalha o economista à reportagem.

A situação atual do Rio Grande do Sul é de “remontar toda a estrutura básica e logística”, acrescenta Oliveira. “O deslocamento rápido de produção de ração, por exemplo, que já tinha modelos de negócios prontos, agora precisará ser repensada”, lamenta.

Sul do Brasil é a região mais afetada pelo clima extremo

Perdas de produção agropecuária devido a problemas climáticos são recorrentes no Rio Grande do Sul. Segundo meteorologistas, isso ocorre porque o Estado está na região do Brasil mais propensa a sofrer variabilidades climáticas extremas.

“Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e uma parte do Mato Grosso do Sul têm problemas climáticos mais frequentes do que o resto do Brasil, tanto envolvendo secas quanto excesso de chuvas”, explica Gilberto Cunha, agrometeorologista da Embrapa Trigo, de Passo Fundo (RS).

Desde o final da década de 1970, o Rio Grande do Sul enfrentou 16 temporadas com estiagens afetando a produção agropecuária, destaca Cunha.

O meteorologista do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), Glauco Freitas, acrescenta que essas situações ocorrem porque a região Sul do Brasil está localizada em uma área de transição de massas de ar. Com isso, o território gaúcho sofre influência da massa de ar frio que vêm da Antártica e da massa de ar quente do centro do país.

“O encontro dessas duas massas de ar provoca essas variações no clima. Além disso, no litoral da região, ocorre o encontro da corrente marítima fria que vem das Ilhas Malvinas e a Corrente do Brasil, que é quente. Tudo isso transforma a região em uma zona climática muito instável, com sistemas extremos, que podem se agravar em anos que sofrem a ação dos efeitos El Niño e La Ninã”, afirma Freitas.

Entretanto, o meteorologista do Inmet destaca que as mudanças climáticas estão tornando essas situações de variabilidade extrema mais comuns. “Os eventos são mais intensos, frequentes e duram mais. Não lembro de termos sofrido estiagens fortes consecutivas, como ocorreu agora em 2021/22 e 2022/23”, comenta.

“O que mais me chama a atenção dessa situação é que ela é atípica. O agro está muito acostumado com as flutuações do negócio, situação climática faz parte da vida do produtor. Mercado já está acostumado com quebras de safras, mas desta vez, a enchente afetou toda a estrutura do setor”, avalia o professor da UFRio Grande.

Prevenção

Diante da expectativa de eventos climáticos extremos cada vez mais constantes, Gilberto Cunha defende que os produtores rurais adotem estratégias de gestão de riscos em suas propriedades. “O básico é o plantio direto qualificado e um manejo de solo que facilite a conservação e armazenamento de água, assim como eliminar camadas e obstáculos que impedem o aprofundamento das raízes.”

Segundo Cunha, nas últimas décadas, em muitas propriedades do Rio Grande do Sul, foram abandonadas práticas de manejo conservacionista do solo a fim de facilitar os trabalhos de plantio e colheita nas lavouras. Com isso, os problemas com erosão retornaram ao Estado.

“No passado, foram incentivadas medidas que tiraram os produtores gaúchos do caos da agricultura de erosão e voçorocas, que marcava os anos 1970 e até parte dos anos 1980”, lembra o agrometeorologista da Embrapa.

Entre essas práticas, destaca os cultivos em contorno e a construção de terraços, que ajudam no armazenamento de água no solo, contribuindo tanto para impedir a erosão e o escoamento de água para os rios quanto para manter a umidade durante estiagens.

Fonte: Globo Rural

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