Para discutir zoonoses, saúde pública e doenças relevantes para a suinocultura, a ABCS em parceria com a 333 Brasil, realizou na última quinta-feira (15/10) mais um webinar técnico com um público de mais de 612 participantes de 15 países diferentes. Os eventos tem o objetivo de pautar e debater assuntos atuais e importantes para a cadeia, levando conhecimento de qualidade e fomentando discussões e aprimoramento técnico. A diretora técnica da ABCS, Charli Ludtke explica que o tema do 10° Webinar foi pensado de modo a trazer um panorama geral da realidade brasileira: “a que riscos estamos expostos? O que nós profissionais podemos fazer, do campo ao frigorífico para mitigar os fatores de riscos que podem ocasionar a entrada de doenças no nosso país?”.
Para isso, foram convidados a médica veterinária, pesquisadora e chefe geral da Embrapa Suínos e Aves, Janice Zanella. O médico veterinário, consultor e que atuou 35 anos frente à pesquisa da Embrapa Suínos e Aves, Nelson Morés. E a também médica veterinária e auditora fiscal federal agropecuária, Elenita R. Albuquerque, que chefia a Divisão de Relações Institucionais do Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (DIPOA/MAPA).
Janice Zanella iniciou a palestra falando sobre os impactos econômicos, prevenção e controle de zoonoses, doenças transfronteiriças e emergentes. Segundo ela, 75% das doenças que emergiram no último século são zoonoses. “Não precisamos nem dizer qual é a importância da produção animal para a economia dos países, os surtos de zoonoses afetam os animais e muitas pessoas, além da perda de bilhões de dólares para os países envolvidos. Temos uma emergência de 5 patógenos por ano e uma pandemia a cada 10 anos, a exemplo do que estamos passando agora com a COVID-19, mas também temos muitas doenças emergentes principalmente nos países de clima tropical ou de uma elevada biodiversidade. Então, essas doenças, tanto o zika vírus, chikungunya, dengue e febre amarela, são doenças transmitidas por mosquitos e que foram responsáveis por várias pandemias. Assim como o resto do mundo, os vírus e bactérias também evoluem e os suínos desempenham um papel muito importante pois são capazes de se contaminar com vírus de mamíferos e aves. Ainda mais num local como o Brasil, pela biodiversidade não apenas de animais e vegetação, mas de vírus e bactérias. Quando falamos de hospedeiros, não falamos apenas de humanos que podem hospedar o vírus, mas diversos seres vivos.”
A especialista explica que são muitos os fatores que contribuem para a disseminação de doenças, mas os principais são o crescimento demográfico, urbanização, consumo de carnes de caça, aproximação de espécies silvestres com os seres humanos, pobreza, resistência a medicamentos, modificações naturais que ocorrem nos patógenos e desequilíbrio ambiental em geral. “Quando não existem regras, normas e fiscalizações são esperadas que surjam em situações fora do controle, e os efeitos das doenças são muitos. Mortalidade, rompimentos mercadológicos, restrições de exportação, perturbações no consumo e falta de confiança dos consumidores no produto. Problemas para toda a cadeia, sociedade, economia nacional, sistema alimentar e produtivo.”
No caso de doenças transfronteiriças, como a Peste Suína Africana (PSA), Peste Suína Clássica (PSC), Febre Aftosa, Febre do Vale Rift, Influenza Aviária, e a disseminação está ligada a globalização dos alimentos, os riscos de patógenos serem transportados na comida são aumentados pelo contrabando e armazenamento inadequado. “As equipes do Vigiagro/MAPA tem apreendido nas bagagens em aeroportos cobras, linguiças, cabeças de ovinos, pés de galinha e embutidos no geral, senso um risco potencial de disseminação de doenças.” Zanella comenta que o rebanho brasileiro tem uma boa sanidade “principalmente em relação à febre aftosa, somos livres de vários vírus, existe vigilância e existe legislação.”
Retomando o tema sobre doenças emergentes e reemergentes, Nelson Morés reforçou a importância do ponto de vista global dessas doenças, e destacou sobre as doenças respiratórias que causam problemas econômicos e de saúde do rebanho, ocasionando lesões patológicas na criação de suínos: as aderências que ocorrem por diversos patógenos e que acabam tendo bastante problemas de queda dos índices de produtividade, e em nível de carcaça quando esses animais são levados ao abate. São diversos os fatores de risco associados no campo (qualidade do ar ruim no ambiente de criação-poeira e amônia, densidade elevada, idade de desmame reduzida, falta de vazio sanitário) e que tem sido observado em pesquisas e amostragens.
Segundo ele, no abate no Brasil 104.729 suínos avaliados em 10 estados, 5,7% apresentavam pleurisia. Já no campo, a análise de necropsia de 75 suínos em 36 granjas, revelou a prevalência de sintomas respiratórios clínicos como pleurite/pericardite em 24% dos casos. Essas infecções atrapalham o desenvolvimento dos suínos, e dificilmente os animais conseguem ganhar peso para o abate, pois os problemas respiratórios interferem, e muitas vezes agravando o quadro clínico.” Para o produtor os prejuízos, além dos gastos com medicamentos, é uma considerável desvalorização da carcaça. Por todo o problema acarretado por esses patógenos, Morés reforça a importância de estabelecer um diagnóstico etiológico do problema, a rápida tomada de ações de medidas específicas como a vacina e o tratamento, e em especial medidas inespecíficas de controle como os fatores de riscos inerentes, sendo mais eficientes do que os próprios tratamentos a longo prazo do controle dessas aderências.
Dando sequência, Elenita Albuquerque falou sobre as atualizações da inspeção de suínos em frigoríficos com base em risco e na segurança do alimento coordenada pelo DIPOA/MAPA, um projeto que começou há 5 anos. Ela explica que a inspeção de carnes início na Alemanha, quando em 1892, Robert Von Ostertag começou a estudar a ocorrência de patologias em animais através de um método de avaliação que perdura até hoje, com adaptações que possibilitam detectar não só patógenos visíveis, como também análises complementares em laboratórios. “Essas adaptações também precisam ser feitas de acordo com a realidade de cada país, começamos com uma análise de risco para a população brasileira, focamos na redução de ocorrências de Doenças Transmitidas por Alimentos (DTA) no Brasil, através de uma série de coleta de dados e análises.” Ainda segundo ela, essa modernização que traça o perfil epidemiológico de cada localidade torna o serviço de inspeção muito mais eficiente. “O serviço oficial passa a ser mais preventivo que reativo, trabalhando de forma mais inteligente, com o ajuste dos procedimentos de ante e post mortem em sinergia com perfil epidemiológico, atual dos rebanhos nacionais. E focando nos riscos biológicos aos seres humanos pelo consumo de carne e derivados produzidos sob sistema industrial no Brasil.
Nas palavras da Diretora Técnica, Charli Ludke “é de extrema importância o aprimoramento do sistema de inspeção de suínos, com procedimentos mais modernos e adequados para o controle dos perigos envolvidos no processamento das carnes. Além disso, temos que continuar abordando fortemente os temas relacionados a zoonoses, e as doenças transfronteiriças que requerem cooperações entre os países, de forma a controlar e erradicar os patógenos causadores, e assim evitando que se disseminem afetando considerável números de animais, podendo se tornar uma epidemia, e impactar vários países (econômico, comercial e de segurança alimentar). Em especial, esperamos que essas informações sirvam de orientação para implementar ações de prevenção, demonstrando o que nós profissionais e colaboradores atuantes no setor (médicos veterinários, profissionais de granjas, produtores e frigoríficos), podemos fazer para mitigar os fatores de riscos e evitar que essas doenças adentrem o nosso país.”